Sobre leites vegetais
Cada vez mais os leites vegetais têm conquistado espaço no cotidiano das pessoas como uma alternativa ao consumo do leite de vaca. Condições como intolerância à lactose, alergia à proteína do leite de vaca e síndrome do ovário policístico vêm sendo melhor diagnosticadas atualmente, e as evidências científicas têm confirmado que excluir o leite de vaca nessas condições parece ser bastante favorável. Além, é claro, do público vegano, que opta por excluir todo o e qualquer produto de origem animal do consumo pessoal.
Mas talvez a primeira coisa que eu preciso te falar sobre leites vegetais é: não existem leites vegetais.
Leite é o nome dado ao alimento produzido pelas glândulas mamárias das fêmeas de mamíferos. Esse alimento tem uma composição extremamente complexa, e é destinado ao consumo dos animais nascidos de cada espécie, por um determinado período, até o desmame completo.
Nós acabamos “emprestando” o leite de outras espécies por algumas conveniências, por questões culturais, e até emocionais, mas, teoricamente, nós não precisamos do leite de outras espécies de mamíferos.
O leite [de mamíferos] apresenta na sua composição uma combinação muito inteligente de carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas e minerais diversos, como o cálcio, e outras substâncias importantes para os filhotes, como anticorpos, enzimas, e fatores de crescimento produzidos pela própria fêmea para favorecer o desenvolvimento saudável, prebióticos, probióticos, entre inúmeras outras.
Isso, em se falando de leite cru, porque quando o leite é submetido a procedimentos de pasteurização ou esterilização, uma quantidade considerável dessas substâncias se perde ou tem sua estrutura modificada. (A comercialização de leite cru é proibida no Brasil e se quiser saber mais sobre o assunto, veja o documentário “Milk?”).
As bebidas feitas com castanhas e grãos podem ser substitutos culinários do leite, e até cumprem bem o seu papel em algumas receitas. Contudo, estamos comparando alimentos completamente distintos do ponto de vista estrutural e, com isso, o valor nutricional também é muito diferente. Os nutrientes mais importantes do leite de vaca são as proteínas e o cálcio, enquanto nos “leites” vegetais isso vai variar conforme o ingrediente com o qual eles forem feitos.
Então vamos pensar juntos.
Uma receita básica de “leite” de amêndoas leva 1 xícara de amêndoas (aproximadamente 100 g) para 4 copos de água (800 mL ou 800 g). Deixamos de molho por cerca de 8 a 12 horas na água filtrada, depois batemos no liquidificador e coamos numa peneira ou coador de voal.
A maioria dos textos que a gente lê por aí sobre o leite de amêndoas diz que ele é super rico em proteínas e em cálcio. Não é verdade. As amêndoas sim apresentam uma boa quantidade desses dois nutrientes. O líquido extraído, não sabemos. Até o momento nós não temos tabelas de composição de alimentos confiáveis que tenham quantificado os nutrientes de receitas caseiras de leites vegetais.
A maior parte dos nutrientes das amêndoas ficam retidos no resíduo que sobra, e não no líquido. Então o problema estaria resolvido se nós consumíssemos todo o resíduo, certo?
Depende.
Abaixo eu te apresento uma tabela em que eu comparo 100 g de leite de vaca integral (cerca de ½ copo), a mesma quantidade de um leite de amêndoas industrializado, 100 g das amêndoas cruas (o equivalente a uma receita do leite caseiro que mencionei), e 100 g do leite de amêndoas caseiro SEM coar, simulando que você consiga aproveitar todo o resíduo desse leite vegetal.
Fonte dos dados: Tabela de composição de alimentos do IBGE (2011), rótulo da Bebida Orgânica à Base de Amêndoa IsolaBio (jan/2017).
Percebe as diferenças?
O leite de vaca tem 3,6 vezes mais proteínas que o leite de amêndoas industrializado e 1,3 vezes mais proteínas que o caseiro sem coar. Quanto ao cálcio, a bebida industrializada não menciona no rótulo a quantidade do nutriente, mas o leite de amêndoas caseiro sem coar apresenta 4x menos cálcio que o leite de vaca.
Imagina coando e desprezando o resíduo!
De acordo com os critérios da ANVISA (resolução 54/2012), o leite de vaca pode ser considerado fonte de proteínas de cálcio, porque contém mais de 6 g de proteínas na porção de 200 mL, além de oferecer mais de 15% das necessidades diárias de cálcio. Já o de amêndoas não se enquadra nos critérios, não sendo, portanto, fonte desses nutrientes.
E esse é apenas o exemplo de um leite vegetal feito com uma das oleaginosas mais ricas em cálcio, mas não será diferente se seguirmos o mesmo raciocínio com um leite à base de cereais, como o de aveia ou quinoa.
Assim, os leites vegetais não são bons substitutos nutricionais do leite de vaca para proteínas e cálcio.
Exceto se eles forem industrializados e fortificados com esses nutrientes. E para as bebidas industrializadas à base de soja existe uma legislação específica que garante os níveis mínimos de proteínas. Mas aí eu te lembro da minha primeira newsletter aqui, em que eu falo sobre os outros problemas associados aos alimentos ultraprocessados, com todos os seus aditivos e produção de um lixo extra da embalagem.
Resumindo: consuma leites vegetais sim, crie, invente receitas, faça e aconteça! Mas saiba que as suas proteínas e o cálcio não estão garantidos somente com eles.
Assim, a melhor dica que eu posso te dar quanto a isso é: mantenha uma alimentação variada, contendo diversos cereais integrais, leguminosas (feijões), as próprias castanhas, e vegetais verde folhosos (ex.: couve, brócolis, acelga, coentro e salsinha). Dessa forma, você receberá diversos outros nutrientes além das proteínas e do cálcio, e ainda consome mais fibras e outros compostos funcionais valiosos. E inclua sim os leites vegetais, mas de forma consciente, ok?
Para dar continuidade no tema, na minha próxima newsletter vou te enviar uma das minhas receitas favoritas com leites vegetais, além de uma seleção especial com receitas que utilizam tanto as leites vegetais quanto os resíduos!
Dúvidas? Me escreva!
Até breve! Seguimos!
Natália Utikava
Nutricionista
CRN/SP 40.387
P.S. I: É importante ressaltar que o uso de leites vegetais para bebês e crianças tem restrições importantes e eu falarei sobre isso em breve. Em caso de dúvidas, entre em contato comigo.
P.S. II: Esse conteúdo é meramente informativo e não substitui o atendimento nutricional individualizado. Dependendo da fase da vida, ou de alguma condição clínica particular são necessários alguns ajustes, e mesmo suplementação, que somente um profissional especializado poderá orientar. Se você deseja adequar sua alimentação conforme sua rotina, fase da vida e necessidades, entre em contato para agendar uma consulta.