Slow Living e Alimentação Plant-based


O tema do post de hoje é sobre um modo menos acelerado de viver e sua relação com uma alimentação mais saudável, mais baseada em vegetais frescos, naturais e integrais.

Antes de tudo: te convido a ler esse post sem pressa! ? 

Acho que vale a pena começar essa conversa te contando a minha experiência com o slow living.

Vou te dizer que eu não estou nem de longe imersa num estilo de vida completamente natural, orgânico e slow. Embora eu já tenha experimentado muitas coisas, eu não troquei todos os meus produtos de casa por produtos 100% naturais, eu não compro somente alimentos orgânicos, eu não medito e faço yoga todos os dias, e eu também não tenho um armário cápsula ou minimalista. 

Eu me interesso muito por esses assuntos sim, e gosto de experimentar cada um deles, ver o que funciona pra mim no momento, o que eu consigo conciliar em termos financeiros, ou em relação ao acesso, e de fazer escolhas conscientes sobre o que eu aprendi ser bom para o mundo, em termos ambientais, sociais, culturais, éticos.

Mas o meu lugar atual nesse contexto é o de uma pessoa que está tentando ser melhor para o mundo, mas também me cobrar menos, porque essa perfeição de fazer somente o que é politicamente correto, por vezes, gera muita ansiedade e frustração quando não conseguimos ser consistentes.  Eu sei que sozinha não consigo controlar tudo, ajudar a todos e tampouco gerar zero impacto ambiental – o que não me impede, é claro, de fazer aquilo que eu sinto que consigo. Não precisa ser oito ou oitenta.

E é aí que está o X da questão. O caminho do meio entre o fazer tudo e o não fazer nada passa por um lugar de autoconhecimento. Por esse lugar em que não existem duas pessoas ocupando o mesmo espaço, simplesmente porque as bagagens de cada um de nós são completamente distintas.

Aquilo que para mim é uma prioridade, para você pode não ser. E por isso eu acredito que o desacelerar vem sempre depois de refletirmos muito sobre quem nós somos e sobre o que é prioridade para nós no presente momento das nossas vidas.

Desacelerar não é somente dizer não para o excesso de atividades, ou olhar o celular apenas 2 vezes no dia. Desacelerar é sobre se conhecer para saber quais atividades devem receber um sim e quais devem receber um não. É olhar o celular e ter tranquilidade para identificar quais mensagens são urgentes, e quais podem ser respondidas depois. [te convido a assistir esse vídeo da @luizavoll sobre o tema]

Não é também nem de longe relaxar e apertar o botão do f*da-se. É antes, um exercício de autopercepção diária, onde até o relaxar precisa encontrar o seu lugar de deleite, com atenção plena e contemplação, e não o lugar da recompensa imediata por ter trabalhado demais ou ter produzido demais. E aqui vale um destaque para o abuso de algumas substâncias, como o tabaco, álcool, drogas, e até mesmo a comida.

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É uma diferença sutil e eu não sei de fato se estou conseguindo me expressar bem aqui. Mas então vamos entrar propriamente no assunto!


Slow living: histórico

O movimento slow tem origem em meados de 1980 na Itália, e tem uma conexão importante com a alimentação desde o seu início.

Quando o McDonald’s planejava abrir uma franquia próxima da Piazza di Spagna, em Roma, o jornalista italiano Carlo Petrini, organizou um protesto em que ele e seus seguidores seguravam caçarolas repletas de macarrão penne, opondo-se à implantação de grandes redes de fast food no país, onde as tradições alimentares são tão valorizadas.

Posteriormente, em 1989, esse jornalista fundou o movimento Slow Food, que dedica-se a promover e preservar culturas e tradições alimentares regionais, repensar o modo de vida acelerado e incentivar o interesse das pessoas pela origem dos alimentos que consomem, fazendo a conexão de como nossas escolhas alimentares afetam o mundo à nossa volta.

E com as ações do movimento Slow Food, começaram a surgir questionamentos sobre diversos outros aspectos da vida que são tomados por avanços tecnológicos que aceleram – e atropelam – nossas conexões com experiências e relacionamentos que fazem parte da nossa essência.

Hoje temos diversos outros movimentos pautados no conceito slow, como o próprio Slow Living, que é mais abrangente e contempla o desacelerar em todos os aspectos da vida, mas também encontramos movimentos mais específicos, como o Slow Reading, que preza a leitura sem pressa, o Slow Medicine, que valoriza uma prática médica com tempo para ouvir e construir vínculos com os pacientes, e mesmo o Slow Eating, que é uma vertente do Slow Food, mas com um foco mais voltado para a saúde integral e para o bem estar mais individual, exercitando o comer com atenção plena e devagar.


Mas, afinal, o que de fato é levar um modo de vida slow? O que de fato é desacelerar?

Não existe uma única definição de slow living que contemple tudo o que o termo pode abranger, justamente porque o desacelerar depende da velocidade atual de cada pessoa, e do que é importante para ela. Mas, pesquisando para trazer esses conceitos aqui, traduzi alguns tópicos que podem ajudar a definir o slow living, descritos por Kyle Kowalski, do site Sloww:

Slow living - Slow Living e Alimentação Plant-based

Se faz sentido pra você, vale a autoanálise: em que velocidade você vem caminhando – ou correndo – nos últimos tempos?


Desacelerar é um privilégio?

Você pode estar pensando a esta altura que desacelerar envolve tantas coisas que você não sabe nem por onde começar. Além disso, pode parecer um privilégio de poucos escolher desacelerar, numa sociedade em que a maior parte das pessoas está lutando para se manter em subempregos, em jornadas duplas ou triplas, para conseguir o mínimo para o seu sustento, e onde o desacelerar é praticamente assinar um atestado de aceite para passar fome.

É duro pensar nisso, mas infelizmente é a realidade.

Por esse motivo maior parte dos movimentos slow se iniciam em países onde a desigualdade é menor, onde a população já atingiu níveis econômicos e educacionais muito elevados, e onde as necessidades básicas das pessoas são supridas sem grandes dificuldades.

Mas, não podemos desanimar, e também não podemos nos apegar ao lugar onde o vitimismo assume o controle das nossas vidas. 

Se você está lendo esse texto até aqui é porque se interessa pelo tema e porque sente que pode abraçar um pouco desse modo de viver. Seja você a pessoa que está lutando no subemprego e arrumou um tempo para ler esse texto, o CEO de uma grande empresa, ou alguém entre esses dois extremos, há sempre a possibilidade de parar um pouco e fazer um balanço de como está a sua vida agora, colocando no papel que aspectos você gostaria que mudassem. Sem amarras, sem impeditivos. Como você gostaria de viver se não precisasse ter que pagar os boletos? Se não der pra viver desse modo agora, pense em traçar algumas estratégias que possam estar ao seu alcance para que essas mudanças aconteçam num futuro não muito distante.


Alerta: não vale ser slow pra mim e fast para os outros

Nessa seção eu vou ser breve, apenas para estimular uma reflexão.

Se o modo de vida mais slow faz sentido para você, lembre-se que você não está no centro do mundo.

Se você é um empregador e busca esse estilo de vida, procure valorizar esse assunto também para os seus colaboradores. Se você é mãe ou pai e quer levar uma vida slow, não obrigue seus filhos a fazer um milhão de atividades. Se você utiliza o WhatsApp, não seja a pessoa que fica cobrando resposta do outro e olhando pra ver se a mensagem foi vista ou se a pessoa está online. Seja você quem for e esteja você onde estiver, não acelere nos outros aquilo que você está buscando desacelerar para você.

Precisamos respeitar o tempo do outro também.


Slow living e alimentação plant-based

Acredito que com essa longa introdução você já consiga fazer uma associação com esses dois temas.

Faz sentido que nessa nossa busca por desacelerar, a alimentação ganhe um lugar de destaque, já que ela é parte importante da nossa vida. Comemos pelo menos três vezes ao dia. Comemos para nutrir, para socializar, para comemorar, para sentir prazer.

A comida ocupa lugares na nossa vida que só nós conseguimos definir. Para algumas pessoas é um lugar leve e gostoso. Para outras é um pouco mais pesado e custoso. E para algumas, ainda, não ocupa nenhum lugar racionalmente compreendido – ela apenas acontece.

Independentemente da nossa relação com a comida, quando nos tornamos adultos cada um de nós passa a ser responsável pela própria alimentação. E, para isso que isso aconteça, tomamos diariamente decisões sobre a compra, o consumo, o descarte de itens da nossa cozinha, da nossa casa, e dos resíduos dos nossos alimentos.

Boa parte das escolhas alimentares que fazemos na vida adulta é resultado de práticas que aprendemos com os nossos familiares, que muitas vezes não foram pensadas, foram somente reproduzidas, de geração em geração, que por vezes têm um papel protetor à nossa cultura, sociedade, ambiente e saúde, mas por vezes também não fazem mais sentido nos dias de hoje.

Comer carne, ovos e laticínios fazia sentido na época dos nossos bisavós, avós, ou até mesmo na dos nossos pais, quando eles moravam no campo e criavam seus animais para o consumo próprio, ou trocavam alimentos entre os vizinhos dos sítios próximos. Quem não conhece algum parente que matava um porco ou um peru para celebrar as festas de família uma vez por ano?

Era um marco, uma comemoração, e a reunião em si, a conexão entre as pessoas, era a razão desse feito. Ninguém questionava se o animal teria sofrido, ou se teria levado uma vida miserável, até porque, na maior parte das casas, os animais eram bem tratados o ano todo, para poder servir de alimento naquela ocasião [não estou defendendo o ato, apenas expondo como as pessoas vivenciavam esse assunto naquela época].

Nos dias de hoje, para quem vive nas grandes cidades, isso não é mais uma prática comum. Quem come carne, come todos os dias, e compra ela muito bem embalada, num açougue ou num mercado com fotos de animais vivendo felizes e soltos em cima da geladeira onde estão. Nesse formato, as pessoas não associam tanto a peça de carne com um animal que sentiu medo e dor. Nem todo mundo sabe que esse pedaço de carne que está prestes a ser comprado foi resultado de meses, ou anos de uma vida miserável, confinada, e sem oportunidade de expressar sua real natureza. Na maior parte das vezes, o animal em questão foi para o abate com a rapidez que os grandes frigoríficos precisam ter, para que a carne fresca não apodreça entre o caminho do campo para a mesa.

Não faz muito sentido que essa busca por desacelerar passe pelo consumo desse tipo de “alimento”, não é mesmo?

Já quando pensamos nos vegetais a história muda ou pouco de figura. As plantas têm um tempo natural de germinar, crescer, dar flor, fruto, amadurecer. Isso, claro, pensando num modelo agroecológico onde o agricultor respeita o tempo natural das coisas, sem acelerar o processo com fertilizantes sintéticos, agrotóxicos e tecnologias agressivas.

A natureza nos ensina que há tempo para tudo, e que quando não respeitamos esse tempo, somos nós mesmos que sofremos. Ou pior, talvez sejam nossos filhos, netos, bisnetos. Nossas escolhas hoje têm impacto em nós, mas terá impacto, principalmente, nas futuras gerações.

Mais uma vez reconheço que nem tudo é sobre nossas escolhas, porque estamos expostos o tempo todo a produtos ultraprocessados, a produtos de origem animal advindos do agronegócio, e até a vegetais produzidos pela agricultura convencional, com seus mais de 400 tipos de agrotóxicos liberados para uso. Mas, ainda assim, não podemos deixar de considerar que há sempre um sujeito com a oportunidade de escolher, mesmo dentro das suas possibilidades, melhores alternativas alimentares.

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A comida de verdade, que vem da terra, e que precisa passar pela cozinha, não custa tão caro para o nosso bolso e nem para o planeta. Um pacote de 500 g de salsicha custa quase o mesmo valor da mesma quantidade de um feijão orgânico, ou o dobro do valor de um feijão convencional num mercado comum. E, apesar do preço parecido, quando colocamos na balança, o feijão consome menos recursos, emprega o agricultor rural e faz bem para a saúde de quem consome. Sem falar que nenhum animal precisa morrer para isso. O preço é parecido, mas o valor do alimento vegetal, in natura, é imensuravelmente maior.


Cozinha slow

Ainda nesse exemplo do feijão, precisamos falar sobre o papel da culinária no movimento slow.

Um pacote de salsicha só precisa ser cozido em água e colocado num pão de hot dog – também ultraprocessado. Já um pacote de feijão precisa ser colocado de molho, levado ao fogo na panela de pressão por 10 minutos, ou então na panela convencional por quase uma hora. E depois de cozido, precisa que seja temperado, então temos que cortar alho, cebola. Temos que colocar um toque de folha de louro, esperar apurar o caldo pra não ficar ralo, acertar o sal.

O tempo que gastamos para cozinhar a comida à base de vegetais foi um dos fatores que alguns seguidores mencionaram quando eu perguntei no instagram sobre quais dificuldades eles tinham para fazer uma transição para esse estilo de vida.

Em cozinhas cada vez menores, de apartamentos cada vez menores, com fogões cada vez menores, como fazemos para resgatar o prazer em cozinhar? Nem sequer temos espaço pra guardar uma panela de pressão pra fazer o feijão!

Desacelerar passa pela cozinha e também requer que a gente repense nossa relação com nossa casa e com os espaços que estamos ocupando.

Eu acho graça quando um paciente me diz: “nutri, me passa receita fácil, porque eu não tenho tempo pra ficar na cozinha!”.

Tirando o fato que talvez esse paciente não tenha se dado conta de que enquanto ele está na consulta comigo eu também não estou na cozinha, eu concordo que todos temos nossos trabalhos, deveres, e, realmente, no dia-a-dia não temos muito como nos dedicar para fazer um prato super elaborado. E aí também mora um questionamento – será que precisamos mesmo de receitas rápidas ou precisamos repensar o lugar que a alimentação tem ocupado na nossa agenda lotada?

Muitas vezes passamos mais tempo rolando o feed infinito do instagram e salvando receitas na coleção, ao invés de gastar esse tempo propriamente cozinhando, até mesmo o básico e o prático.

Mas, as receitas elaboradas, que levam tempo e pedem atenção, também têm o seu lugar e precisam desse resgate. Lembra daquele bolo de coco gelado e no prazer de abrir o papel alumínio devagarzinho e degustar aquela delícia aos poucos? Essa é uma receita que minha mãe fazia e que tomava um tempão na cozinha. Bate o bolo, unta a forma, pré-aquece o forno, espera assar, espera esfriar, molha no leite, faz a cobertura, corta os quadradinhos de papel alumínio, embrulha um a um. E eu me lembro de uma vez em que ajudei ela a fazer esse bolo e como foi divertido depois comer, sabendo de todo o processo.

Eu tenho certeza de que você também tem esse tipo de lembrança e te convido então a pegar o caderno de receitas da sua mãe, ou da sua avó, pra trazer de volta algumas dessas memórias tão gostosas. E claro, por que não, colocar a mão na massa, literalmente?

Fica o convite, com uma sugestão extra: que tal resgatar essas receitas e fazer algumas alterações para torná-las veganas? Assim, a gente mantém vivo o lugar da comida afetiva, mas também assume o compromisso com um mundo mais verde, desenvolvendo novas receitas de comidas afetivas para as próximas gerações.

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Espero que esse conteúdo tenha valido o seu tempo! ♥

Minha intenção aqui não é dizer que você precisa desacelerar, muito menos mostrar quão desaceleradona eu sou… risos! É realmente trazer a reflexão e dividir com vocês um pouco do que tenho aprendido e que tem feito sentido pra mim.

Um beijo grande e aproveite seu dia!

Seguimos!

Natália Utikava
Nutricionista
CRN 40.387