Dieta vegetariana é uma dieta anti-inflamatória?

Você já percebeu como o termo “dieta anti-inflamatória” está em alta nos dias de hoje? 

Seria esta mais uma “dieta da moda”? E se for, será que finalmente chegamos a uma moda que nos traz mais saúde? 

Vamos conversar sobre isso?


Se a moda é uma dieta anti-inflamatória, estamos todos inflamados? O que isso significa??

Quando eu penso no termo inflamação, logo me remeto para a Natália de 6 anos de idade, com a garganta toda inchada, com pus, febre, tomando vários medicamentos, injeções. É muito fácil para nós associar o termo inflamação a quadros agudos – garganta inflamada, tendinite, bursite, inflamação no nervo ciático. Quase todos nós já tivemos alguma inflamação aguda na vida.

Mas a inflamação pode também acontecer de forma crônica, e temos diversos exemplos de doenças cuja base é de ordem inflamatória: doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, câncer, artrite reumatoide, endometriose, lúpus, acne, eczema, retocolite ulcerativa, doença de Chron, entre outras.

O estilo de vida que levamos hoje é um dos maiores responsáveis por gerar inflamação crônica: sedentarismo, longas horas de trabalho sentados à frente das telas, estresse, sono não reparador, alimentação rica em gorduras saturadas, açúcar, sal, alimentos ultraprocessados, exposição a xenobióticos (agrotóxicos, poluentes, disruptores endócrinos, medicamentos, drogas, tabaco, álcool, etc).

Todos esses fatores, em alguma medida, contribuem para o desequilíbrio das funções corporais normais, e quando há esse desequilíbrio, é natural que o organismo entenda que está em condições desfavoráveis e precisa acionar o modo de alerta. 
 
“Emergência: Fogo!” – no inglês, inflamação é inflammation, e tem associação com “in flame, ou seja, em chamas. É uma analogia para esse modo de alerta do corpo inflamado.

A inflamação é necessária e desejada em muitos casos, principalmente quando há a invasão de algum vírus, bactéria, protozoário. Mas, quando o invasor não é um ser vivo e sim um conjunto de substâncias estressoras, então o corpo entra num estado de inflamação crônica, podendo levar a doenças crônicas ou agravar as já existentes, causadas por algum fator genético ou fatores externos.


Dá pra medir a inflamação?

A inflamação aguda é geralmente medida pelos médicos por alguns marcadores no exame de sangue. São os chamados “marcadores de fase aguda”, sendo o principal deles a Proteína C-Reativa (PCR). Valores sanguíneos acima de 1 mg/dL (ou 10 mg/L) indicam processo inflamatório agudo em atividade. 

Com o surgimento de técnicas de alta sensibilidade para detectar pequenas elevações da PCR, como a PCR ultrassensível, novas aplicações clínicas têm sido sugeridas, por exemplo, como um marcador de risco cardiovascular. Isso porque o processo inflamatório crônico é determinante para a deposição de placas de ateroma nas artérias, aumentando o risco de infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico.

Quando estão excluídas as doenças inflamatórias agudas, a PCR-ultrassensível pode ser um marcador de médio (entre 0,1 e 0,2 mg/dL), ou alto risco (entre 0,2 e 1 mg/dL) cardiovascular.

E a cada dia são publicados novos estudos analisando essas pequenas elevações da PCR também com outras doenças de base inflamatória. Por isso ela pode ser considerada um marcador importante para acompanhar essas condições. Vale ressaltar que ela não é específica de um tipo ou outro de inflamação e que ela pode estar até normal, mas haver algum processo inflamatório leve. É preciso avaliar todo o contexto do paciente, sinais, sintomas, outros exames, histórico clínico, antecedentes familiares, alimentação, estilo de vida, para chegar a uma conclusão de que existe ali uma inflamação crônica.


Quais alimentos pioram e quais melhoram a inflamação?

Eu não gosto de colocar nenhum alimento como vilão ou bonzinho. Assim como uma andorinha só não faz verão, um alimento só não causa inflamação! 

O que maior parte dos estudos acerca do tema têm demonstrado é que padrões alimentares mais centrados em alimentos de origem animal e com grande presença de alimentos ultraprocessados tendem a levar a quadros mais inflamatórios. Isso porque nestes alimentos há maiores quantidades de gorduras saturadas, sódio, açúcar, aditivos alimentares sintéticos. Dentre os alimentos de origem animal que possuem maiores teores de gorduras saturadas temos: carnes vermelhas frescas ou processadas, queijos amarelos, manteiga, banha, creme de leite, requeijão, leite integral. Quando esses alimentos estão presentes diariamente na dieta, existe uma possibilidade de o perfil inflamatório desta dieta estar aumentado.

Outros alimentos que podem ter associação com a inflamação são alimentos fontes de glúten (à base de trigo, centeio ou cevada), bebidas alcoólicas, alimentos açucarados e frituras. Novamente, esses alimentos não devem ser a base da alimentação, mas consumidos com parcimônia. 

Já uma alimentação vegetariana, principalmente vegetariana estrita, com base de alimentos frescos, in natura ou minimamente processados e grãos integrais, tende a ter uma maior variedade de alimentos ricos em fibras, compostos bioativos (carotenoides, flavonoides, compostos fenólicos, monoterpenos, compostos sulfurados), vitaminas e minerais antioxidantes. Todos esses compostos têm apresentado alta atividade anti-inflamatória no organismo.

Quando consumimos uma dieta “plant-based”, ou seja, quando a base da dieta é composta por vegetais, além de consumirmos menos dos alimentos de origem animal, que são mais pró-inflamatórios, ainda incluímos na dieta uma maior quantidade desses compostos anti-inflamatórios.

Por isso, um padrão alimentar mais perto de uma alimentação vegetariana estrita e com alimentos frescos, seria o melhor dos mundos para conter processos inflamatórios crônicos e prevenir – e até remediar – doenças crônicas.

E o que compõe esse padrão? O que eu sempre falo aqui: cereais integrais, leguminosas (feijões), frutas, legumes, verduras, castanhas e sementes oleaginosas, cogumelos. Se fizermos a nossa alimentação diária fonte rica e variada desses alimentos, reduzimos muito as chances de ter uma doença inflamatória.

E mais do que isso, variedade: é possível consumir carnes, ovos e laticínios em baixas quantidades, esporadicamente, desde que se incluam muitos vegetais variados. A monotonia também é um fator de atenção para a inflamação – inclusive se for uma dieta vegetariana. Varie sempre os alimentos ao longo da semana, independente se você optar por uma alimentação onívora ou vegetariana.


Alimentação anti-inflamatória e estilo de vida

Mas também a alimentação sozinha não é a única salvadora da inflamação. Ela precisa vir associada a bons hábitos de vida, o famoso “estilo de vida”. Não é por acaso que hoje temos uma área da medicina especializada em estilo de vida. De acordo com a Medicina do Estilo de Vida (MEV), são 6 os pilares a se considerar: nutrição, atividade física, sono, controle de tóxicos, manejo do estresse e relacionamentos.

Eu também já escrevi sobre isso nesse outro post aqui, quando falei sobre longevidade e as Blue Zones – regiões do planeta conhecidas por terem as maiores populações de centenários e que compartilham 9 hábitos de vida, parecidos com os pilares da MEV, entre eles a alimentação, cuja base é composta por vegetais, mas também a espiritualidade, e o conhecimento do seu propósito de vida.

Assim, não adianta apenas ter um olhar mais cuidadoso para a alimentação e negligenciar outras áreas da vida tão importantes quanto. É claro que essa fala também precisa ser cuidadosa: muitas vezes até queremos cuidar de todas essas áreas, mas o problema é que existem condições alheias ao nosso controle, que nos impedem de equilibrar todos os pratos.

Essas condições podem envolver os aspectos socioeconômicas de uma pessoa, o ambiente que a cerca, os familiares, limitações físicas, as oportunidades, e diversas outras. Por isso, não podemos generalizar e dizer que todo mundo tem que ter uma alimentação vegetariana, fazer atividade física diariamente, dormir bem, controlar o estresse, se expor menos a substâncias tóxicas. Seria aquele mundo ideal e utópico.

Mas por hora, podemos ao menos olhar para a nossa realidade individual e fazer as nossas próprias reflexões: o que dentro da minha realidade atual, das minhas facilidades e dificuldades eu posso fazer para viver com mais saúde?

O que tem me inflamado? O que tem me deixado irado, em chamas? A comida que eu como? A bebida? O trabalho? A parceria? Algum familiar? O chefe? O governo? 

A inflamação nos mostra que chegamos ao limite e que é preciso respirar, refletir, e começar um processo de apagar esses pequenos focos de incêndio, onde for possível.

A alimentação é sempre um bom começo. 

Conte comigo! 

Natália Utikava
Nutricionista
CRN/SP 40.387
contato@nataliautikava.com.br