Vegetarianismo: Flatulência e dúvidas sobre FODMAPs
Vamos falar desse assunto chatinho e que incomoda bastante gente?
Eu falei um pouco a respeito dos gases na alimentação vegetariana nesse vídeo aqui, mas achei legal desenvolver melhor o tema, porque é um problema bem recorrente no consultório.
É esperado que com a transição para uma alimentação plant-based haja um aumento do consumo de fibras, e uma adaptação da nossa microbiota intestinal à nova alimentação.
As fibras são os nutrientes preferidos das bactérias intestinais benéficas à nossa saúde. O problema é que essas bactérias fermentam as fibras, levando à formação de gases, que muitas vezes nos causam desconforto e distensão abdominal.
As leguminosas (feijões), contêm, ainda, alguns carboidratos que nem todos nós produzimos enzimas em quantidade suficiente para digerir. Esses carboidratos são chamados de estaquiose, rafinose e verbascose (integram o grupo dos FODMAPs, que eu vou explicar mais à frente). Sem enzimas suficientes, as nossas bactérias intestinais acabam também fermentando esses carboidratos. Por esse motivo, algumas pessoas têm mais desconforto com leguminosas.
Há também alimentos ricos em enxofre, que podem aumentar a formação de gases mais fétidos. São eles: brócolis, couve-flor, couve manteiga, repolho, couve-de-Bruxelas, cebola, alho, alho-poró.
Mas esses alimentos que podem causar mais desconforto são extremamente importantes na alimentação plant-based e devem ser consumidos frequentemente.
Em geral, nossa microbiota se adapta à transição em alguns meses, aliviando os sintomas, mas ainda assim pode haver uma produção maior de gases comparado com uma dieta com baixo teor de fibra.
Vale mencionar que a fermentação das fibras é benéfica à saúde. Esse processo gera substâncias que auxiliam no controle do colesterol e na manutenção da integridade da células do intestino, prevenindo inflamações.
Veja a seguir algumas orientações nutricionais para aliviar os desconfortos causados pelo excesso da formação de gases.
Sempre deixe as leguminosas de molho em água em temperatura ambiente por, pelo menos, 12 horas. Se deixar mais tempo que isso, troque a água a cada 6-8 horas. Descarte a água do remolho e cozinhe em água nova.
Observe o seu corpo. Algumas pessoas sentem mais desconforto com algum tipo de feijão, mas não tanto com outro. Procure perceber quais leguminosas te causam mais desconforto e tente intercalar com as que te causam menos desconforto. Se você tiver acesso a tofu, é bem interessante intercalar com ele também, pois como ele já está processado, causa menos gases.
Leguminosas na forma de pasta (ex.: hommus, purês) podem ser melhor digeridos por algumas pessoas. Já preparações com feitas com leguminosas cruas podem causar maior desconforto (ex.: falafel, acarajé, receitas com farinha de grão de bico ou de outras leguminosas).
Feijão azuki, feijão moyashi e lentilha rosa, são as leguminosas que, em geral, causam menos gases.
Mastigue muito bem os alimentos. Quando comemos rápido e não mastigamos bem, chegam pedaços grandes no intestino, que dificultam a ação das nossas enzimas digestivas. Se elas não conseguirem fazer a quebra das moléculas grandes para que possamos absorver, as bactérias vão fermentar os carboidratos não digeridos aumentando a formação dos gases.
Utilize ervas e especiarias digestivas nas preparações. Alguns exemplos são: alecrim, cardamomo, canela, coentro (semente em pó e folhas), cominho, cravo, endro, erva-doce, feno-grego, gengibre fresco ou em pó, hortelã, louro, manjericão, mostarda em pó, noz moscada, pimenta do reino, salsinha.
Beba pequenos volumes de chás digestivos aquecidos após as refeições ou nos intervalos de refeição (cerca de 50 mL). Alguns exemplos são: hortelã, erva-doce, erva-cidreira, capim-limão, gengibre, alecrim, camomila, boldo, louro. Procure variar as ervas, e tomar apenas um ou dois tipos somente no mesmo chá. Não devemos consumir o mesmo chá diariamente por períodos prolongados sem indicação médica ou nutricional.
Evite beber volumes maiores de líquidos frios ou gelados durante as refeições. Evite também bebidas com gás. Esses líquidos acabam levando a uma maior sensação de distensão abdominal e podem provocar maior desconforto.
Fonte da imagem: opintinho.com.br
Os tais FODMAPs:
FODMAPs são um grupo de carboidratos que podem ser pouco digeridos pelas enzimas digestivas no intestino delgado de algumas pessoas, e acabam sofrendo fermentação pelas bactérias da microbiota, no intestino grosso. Nesse processo há a produção aumentada de gases, que causam desconfortos abdominais.
Pesquisadores da Monash University, uma universidade australiana, desenvolveram uma dieta com baixo teor de FODMAPs, com o suporte de um aplicativo (pago) que pode ser baixado no celular. O app revela quais alimentos têm um baixo, moderado ou elevado teor de FODMAPs, e em quais quantidades eles tendem a ser mais toleráveis.
Na tabela a seguir eu listo resumidamente alguns grupos de alimentos com alto teor de FODMAPs:
Fonte: Adaptado de Monash University Low FODMAP Diet (app).
Quem deve evitar os FODMAPs:
Uma alimentação com baixo teor de FODMAPs e plant-based pode ser um desafio, porque os alimentos que são ricos de proteínas vegetais, ferro e zinco, como os feijões, também são ricos em FODMAPs. Outros alimentos muito consumidos por quem adota essa alimentação como alguns cereais integrais, cogumelos, alguns legumes e verduras também podem conter um maior teor de carboidratos fermentáveis.
Por isso, somente pessoas que têm o diagnóstico de Síndrome do Intestino Irritável (SII) devem considerar uma alimentação com teor reduzido de FODMAPs, uma vez que, nesta condição, o aumento da formação de gases pode ser um gatilho para outros sintomas, tais como cólicas abdominais, diarreia ou constipação, episódios de ansiedade, etc.
Entretanto, pessoas com SII que seguem uma alimentação plant-based devem considerar primeiro as estratégias que eu mencionei acima, para que a dieta não fique restritiva demais, e isso traga ainda mais ansiedade e desconfortos. E sempre de forma monitorada por um médico ou nutricionista que tenham conhecimento sobre o tema.
É importante mencionar que os FODMAPs não são ruins para a saúde. Aliás, muito pelo contrário. A fermentação de alguns desses carboidratos, como os FOS e GOS, pela microbiota intestinal é benéfica para a saúde, melhora a imunidade, o funcionamento intestinal e previne algumas doenças.
Espero que esse conteúdo possa te ajudar ou eventualmente auxiliar alguém que você conheça que ao fazer a transição comece a reclamar muito do aumento dos gases.
Vale dizer que ter gases e eliminá-los é um processo natural e fisiológico. Aparentemente cerca de 10 a 20 eliminações ao dia são consideradas normais, mas ainda não existe um consenso sobre isso.
Mas, por vezes, devido às etiquetas sociais da nossa cultura, não ficamos confortáveis em eliminá-los, e isso, causa bastante distensão abdominal e irritabilidade.
Caso você ainda sinta muito desconforto, dores abdominais e perda da qualidade de vida por conta dos gases, mesmo seguindo essas dicas, agende uma consulta para avaliarmos melhor as causas e buscarmos um tratamento mais direcionado à sua condição.
Um abraço!
Natália Utikava
Nutricionista
CRN 40.387
contato@nataliautikava.com.br